domingo, 14 de dezembro de 2008

Um meio dia para jamais ser esquecido...


[Let the seasons begin, it rolls right on... (Beirut)]


Lágrimas cobrem minha face e obrigo-me a escrever. Não é tristeza, rolam por causa de pura comoção. O ambiente não é dos mais alegres, mas apresenta sua magia ao primeiro passo no recinto. Acordei meia hora mais cedo nessa manhã de domingo. Tinha que chegar mais cedo ao trabalho. Era dia de levar um pouco de alegria a um grupo de idosos que vivem em um asilo da cidade. Cortesia de uma senhora chamada Maria, faríamos um almoço de Natal para os velhinhos. Antecipado, porém sem perder um mínimo de graça.
Logo ao chegar, alguns rostinhos curiosos e esperançosos. Via-se ansiedade por uma surpresa naquelas faces assoladas pelo tempo. Era hora de começar a trabalhar. Lugares para 210 pessoas deveriam ser arrumados, pouco menos que isso foram os usados. Mas todos os 210 deveriam estar lá. Dentre eles estariam funcionários e suas respectivas famílias, bem como os adoráveis velhinhos. Tudo pronto, abriram-se as portas. Aos poucos chegavam, caminhando lentamente, alguns em cadeiras de roda. Esses necessitavam de ajuda para chegar ao local do almoço. E que então comece a celebração.
Engana-se quem pensa que seria algo calmo e quieto. Alguns faziam alvoroço, riam alto. Um riso prolongado que faz com que qualquer coração de pedra peça para chegar a tal idade com aquele riso nos lábios. A maioria demonstrava alegria, alguns poucos se calavam a apenas balançavam a cabeça agradecendo. Mas confesso que foi uma certa velhinha que mais me comoveu. Ela nada dizia, nada fazia. Imóvel, até mesmo com os olhos, insistia em fitar o nada. Era sua amiga que respondia por ela. Talvez sua vida tivesse sido tão sofrida que agora já não lhe restara mais motivos para esboçar qualquer atitude ou emoção. Pensei que ela já não falava mais, mas sua amiga disse que isso é coisa rara. Ela só fala de vez em quando, no momento em que se fazia estritamente necessário. E nada além disso. Nem com os olhos falava.
Confesso-vos que me enganei tremendamente ao pensar que todos ali estavam em fim de carreira. Teve uma mulherzinha. Pequenina, de mãos já bastante enrugadas, que ao me ver, brincou com a moça que estava próxima a ela. Disse ela o seguinte:
- Chegou meu noivo, vou fugir daqui com ele.
Para mim foi imensa a surpresa. Tal fato fez-me rir por incontáveis minutos. E ainda o faz mesmo depois de eu ter abandonado o local. Basta lembrar-me e o riso aparece novamente. Mas, para a infelicidade de muitos, e minha própria, acabou-se o almoço, já passava da hora. Mas surpresas ainda vinham a passos lentos. Ou melhor, a sinos. O estridente barulho de um pequeno sino anunciava a entrada de um Papai Noel. Fajuto como não haverá outro, mas com isso os velhos pouco se importavam. Para eles era simbólico assim como para as crianças. E na verdade, eles voltam a ser crianças, e mais para frente lhes direi algo mais a respeito desse meu pensamento.
O homem de roupa vermelha e barba postiça veio e arrancou aplausos. Distribuiu mais do que somente doces, distribuiu beleza a um lugar pouco visitado por ela. Para fechar com maestria. Sorvete a todos, e dos mais diversos sabores. Alguns que nunca vi. Frutas dos nomes mais estranhos transformadas em um bloquinho de gelo.
Para a minha tristeza, era hora de ir embora. Nosso serviço estava feito e deveríamos voltar ao local de trabalho habitual. Cortava-me a coração deixá-los lá. Na maioria das vezes, o que eles mais precisam é de um pouco de carinho. O que lhe é negado na maior parte do tempo. Eles são como criança pedindo colo. E como lhes disse anteriormente, lhe darei um exemplo do que lhes afirmei. Quando já estava pronto para partir, eis que vejo um senhor cadeirante, na roda da frente de sua cadeira, no lado direito, havia um barbante. Esse barbante estava amarrado a um caminhãozinho de plástico, o qual ele levava para todos os lados. Imitava o som do motor, brincava de fazer curvas, as quais fazia com perfeição e extraordinária agilidade. Extraordinária pois se tratava de um senhor em uma cadeira de rodas, mas ele parecia nem senti-la, parecia menino correndo de um lado para o outro.
Era hora de ir, despedi-me recebendo enérgicos abraços e agradecimentos dos mais sinceros que já vi. Confesso que mesmo agora, horas depois de já ter chegado em casa, a comoção ainda me toma, e faz meus olhos encherem-se de água.

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